Crimes passionais ou de amor?
A linha que divide a paixão do amor é tênue, quase invisível em alguns casos. Enquanto uma é alimentada de intensidade, o outro é sinônimo de cumplicidade.
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Ninguém sabe ao certo quando uma coisa se transforma na outro, mas é fato que os dois sentimentos mexem com a psique humana em lugares misteriosos. E, infelizmente, podem se converter em tragédia.
Intrigada com os caminhos que confundem amor doentio com crimes passionais, a advogada criminalista Renata Bonavides foi pesquisar a fundo o tema e agora lança um livro sobre o assunto. Resultado da tese de doutorado dela pela PUC de São Paulo, o trabalho distingue amor de paixão, a partir de entrevistas com homens e mulheres de todo o país. E faz mais do que isso. Explica que os crimes passionais e os de amor são bem diferentes.
“Não podemos confundir crimes passionais com crimes praticados por pessoas que estão doentes de amor. Quem mata por egoísmo, egocentrismo, por não aceitar uma traição ou abandono, não necessariamente está doente. Quem mata por vingança não pode ser tratado como doente de amor. A vingança é uma das características do criminoso passional”, explica.
Segundo ela, crimes brutais que envolvem o ‘pseudo-amor’ são, infelizmente, cada vez mais comuns. “Esses crimes, na verdade, retratam a falta de amor, o egoísmo, o ciúme desmedido, a vontade de controlar a vida do outro como forma de dominação”.
Renata lamenta que a lei penal brasileira não trate de maneira diferente os crimes passionais daqueles praticados por pessoas que padecem de amor patológico. “As estatísticas relacionadas aos crimes de amor não retratam com clareza e necessária distinção o percentual aproximado de cada modalidade delitiva. Tudo é visto como crime passional, o que é grave engano”.
A advogada explica que o crime passional é fruto de todo desajuste causado por uma paixão. Para ela, diferentemente do amor, a paixão é uma confusão do espírito, um sentimento passivo que desequilibra e faz sofrer mesmo quando é agradável. É uma força que faz agir contra o próprio interesse, dando a ilusão de ser boa. “O espírito tomado por uma paixão não compreende adequadamente os seus sentimentos e os seus desejos. Vive atormentado e inquieto, instável e incoerente, entre a carência e o excesso. Toda paixão é destrutiva. Opõe-se ao êxito do amor, à sabedoria e à felicidade”, opina.
Ela diz ainda que os homicidas passionais trazem em si uma vontade insana de auto-afirmação. “O assassino não é amoroso, é cruel. Ele quer, acima de tudo, mostrar-se no comando do relacionamento e causar sofrimento a outrem. Sua história de amor é egocêntrica. Em sua vida sentimental, existem apenas ele e sua superioridade, sua vontade de subjugar. Não houvesse a separação, a rejeição, a insubordinação e, eventualmente, a infidelidade do ser desejado, não haveria necessidade de eliminá-lo”.
Para saber se uma relação pode estar caminhando para a patologia ou até para a infelicidade de um crime de amor, é preciso atenção. Renata lista quatro pontos principais que merecem atenção. O vício pelo outro é um dos sinais de amor patológico. “Viver em função do outro e se esquecer de suas vontades e pretensões, desejar sempre se amoldar e agradar incondicionalmente, tornando-se dependente da existência e do amor do parceiro, escravizando- se em face do amado, anulando sua própria essência, é um grave sinal de ‘amar demais’”, diz.
Outro problema é o medo de não agradar, de não falar as palavras certas nas horas certas, de agir da exata maneira como o ser amado gostaria. “O medo do abandono é assustador, pois quem é dotado de amor patológico não consegue se enxergar sem a presença do outro”.
A cobrança desagradável sobre o sentimento do outro, a exigência de frases e expressões amorosas a todo instante, a obsessão da fidelidade também mostra que alguma coisa não está certa. Ser passivo e tolerante em excesso, do mesmo modo, não é bom sinal. Isso porque o codependente aceita tudo em nome do amor, menos o abandono. “ O amor patológico implica sofrimento. Esse amor doente desculpa sempre a melancolia do outro, o mau-humor, a indiferença e o desprezo”, avalia. Segundo Renata, quem aceita apanhar e aceita as ofensas de cunho moral e físico, está com sérios indicativos de amor patológico. “Essa codependência cria amargura, angústia, raiva e culpa irracional e pode levar alguém a matar o ‘amado’”.
Renata alerta que o ciúme e a intolerância geram graves conflitos que, por vezes, acabam em morte. Mas eles não são os únicos responsáveis. “A ânsia pela dominação, o egocentrismo, a busca incessante do poder na relação, também são fatores que levam às tragédias”, diz. A advogada diz são os homens quem cometem mais os crimes passionais, e que as mulheres são mais codependentes. “Quando chegam a matar, a grande maioria está ‘doente de amor’”.
Renata apresenta no seu livro uma proposta de alteração da lei penal em vigor, no sentido de admitir a semi-imputabilidade do codependente do amor e a não aplicação de pena. O livro dela, “Crimes Passionais ou Amor Patológico” (Paixão Editores, 2009), pode ser comprado pelo site www.realejolivros.com.br.
Lindenberg e Pimenta da Veiga
Para caracterização e consequente distinção do homicida passional e do doente de amor, é preciso fazer uma análise dos antecedentes do agressor, seu modo de vida, sua a conduta em relacionamentos anteriores. Para afirmar que Lindenberg Alves, que matou a namorada Eloá no ano passado, é um homicida passional ou alguém que padecia de amor patológico, é necessário conhecer o histórico do relacionamento do casal, o comportamento dele antes do episódio, como se comportou em rompimentos anteriores, se era dependente emocionalmente ou não de Eloá.
“O codependente do amor não vive sem o amor do outro, aliás, vive para amar ao outro, tanto que o índice de suicídio é altíssimo neste, o que não acontece com o criminoso passional”, diz Renata. Ainda segundo ela, o caso dos jornalistas Pimenta Neves e Sandra Gomide, por exemplo, pode ser citado como uma tragédia que retrata um amor doente.
“Os colegas de trabalho notavam o desequilíbrio emocional em que mergulhara o jornalista, que se mostrava totalmente obcecado e inconformado com o término do relacionamento”, diz. Ele era diretor de redação do jornal “O Estado de São Paulo”, chegou a demitir a namorada e a impedia de arrumar emprego. Pimenta matou Sandra com dois tiros, no ano 2000. “E ele ingeriu, dois dias após o crime, 72 comprimidos dos remédios Lexotan e Frontal. O caso concreto revela a experiência vivida por quem ama demais”.
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Sou aluna de Direito
ResponderExcluirAchei interessante o texto
Parabens pelo seu post